segunda-feira, 6 de junho de 2011

"Por que metade de mim é a lembrança do que fui, mas a outra metade eu não sei..."

(Título: Metade, Oswaldo Montenegro)


É mais ou menos isso que a gente fica quando alguém vai embora:
metade. Metade de qualquer coisa que não tem nome, nem história
ou comprovação científica, mas a gente sabe que existe, afinal
perder é a forma mais próxima da real sensação do sentir. Sentir o
cheiro que some aos pouquinhos dos lençóis, o ar descer mais
pesado e empurrando essa tal de vida para dentro e depois para
fora, sentir o mesmo vazio que o lado esquerdo do armário agora
possui. Nunca estamos preparados para a hora do adeus, do até
logo ou mesmo das despedidas que dispensam a ironia boba das
palavras. Meta e às vezes nem isso. Com o tempo a vida nos
ensina a acumular lembranças como quem coleciona discos ou selos
postais, nos desencanta dessa bobagem de queremos ser
sentimentais ou amorosos, mas não é tarefa fácil descartar as
memórias e algumas pessoas também não querem aprender a serem
menos humanas. Como se o fato de esparramar o passado no chão e
escolher o que guardar ou não, nos deixasse mais limpos ou leves.
Não. Talvez nos sentirmos sujos e pesados nos faça um pouco mais
dignos, talvez não, e quem sabe não nos importa também, quem
sabe não tenhamos vontade de descartar nada. A possibilidade de
encontrar no meio desse lixo que fica, qualquer misera partícular de
beleza e alumbramento, nos dá uma espécie de crença em nós
mesmos. Uma crença em nossos adeuses próprios. Uma crença de que
no meio do lodo e da poeira, teríamos guardado qualquer coisa de
bonito para ser encontrado. É preciso passar pelo tempo de se ficar
só, é preciso estar no mais fundo do poço, é preciso ter mergulhado
de cabeça no meio da nossa própria lama. Metade de uma escada que
nos tire do poço. Metade de um mapa que nos levasse ao tesouro.
Metade é a necessidade de nos sentirmos inteiro. Metade é se
conformar em ainda ter a companhia de qualquer coisa que foi embora.

(Cáh Morandi)

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