sexta-feira, 25 de maio de 2012

minha bailarina,

Nos amávamos sob um céu azul, bem particular. Admirava-a em silêncio, declamando poesias com os olhos, envolvendo-a num abraço íntimo. A fiz dançar. Assoprava seus cabelos para longe do rosto, beijava-lhe as pálpebras, as bochechas e o pescoço - como nino fez em amelie - e cantarolei em seu ouvido que faria o filme eterno, que tinha acabado de lhe tatuar memórias. Minha bailarina sorria, enlaçava seus bracinhos magrelos em meu pescoço e se fazia minha até onde a timidez permitia, permitindo cada dia um punhado mais. Se entregava, todinha minha. E descansava lépida, entregue ao sonho que lhe acalentava, alheia de minha presença enquanto eu a vida dormir.

Acordava corada, saudável. Abraçava com os dedos a alça de uma caneca cheinha de café e me dava um beijo de bom dia, daqueles com gosto de preguiça. Bebericava o café na janela, olhando meu mundo e se tornando - cada dia mais - parte dele. Eu lhe mostrava vídeos e ríamos. Eu declamava poesias e a via engolir as lágrimas "bobas de feliz" e sorrir sem jeito. Ela sempre soube quem era o "você" dos meus poemas, mas fingia que não. Sorria, sempre. Meu pequeno apartamento era travestido de felicidade desde que ela pôs seus pés aqui dentro, desde que derramou aquelas pipocas no chão e infestou meu tapete com seus fios louros outonais.

E contava-lhe sobre arvorezinhas e saíamos comprar vinhos e eu lhe fazia o jantar enquanto ela me ouvia narrar da vida, encostada com a cabeça na parede, atenta a tudo e desastrada, apagando luzes e derrubando copos. Ela foi a primeira bailarina desastrada que conheci e me encantei com esse jeito, firme e mulher, mas tão tímida e menina. E minha. Ela pedia desculpas e ria e tudo se repetia. Todo dia. Eu, ela, nosso céu, Os rios, os vídeos, as poesias, as indiretas. O "te adoro" que tinha tímido, escrito num post-it coloca no espelho do banheiro...

(...)

"de repente toda mágica se acabou". Nosso céu, tão azul, nublou e choveu muito nesse quarto. Eu segurava sua cabeça entre minhas mãos e implorava - como nunca havia feito - que ficasse. Mergulhei meus olhos nos dela, esquivos, e implorei. Ela estava impassível, chorosa e visivelmente triste. Pediu desculpas. Sussurrou que me amava e saiu apartamento a fora. "Pra minha poesia é ponto final". Hoje a bailarina, impregnada nas nuances desse mundo vazio, é a minha saudade de chumbo, tatuagem na memória, nos espaços, nos detalhes. E eu, soldado largado, me "despeço da magia que balançava o mundo".

"Tá faltando graça e tá sobrando espaço. (...) Conta se seu rosto, por acaso, ainda tem o gosto meu?"

- 'Bailarina, saudade de chumbo', Palavras e Silêncio.

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